Era uma vez Uma Garota.
Não nos interessa, agora, seu nome, etnia, classe social ou nacionalidade. O
que importa é que a tal da Sociedade ensinou a Uma Garota, desde quando
pequena, algumas regras de “boa convivência”:
Seja
comportada, Garota. Não, você não pode usar roupas curtas. Seja discreta!
Quando Um Garoto chegar perto de você, não fale palavrões. Cresça, case e tenha
Seus Filhos, ok? Só assim você será feliz plenamente. Quando for a festas, não
beba. Fique longe das Pessoas Estranhas. Sabe, aquelas? Use maquiagem; assim
você fica tão mais bonita! Cadê sua saia? E seu salto alto? Faça um curso que
tenha muitas mulheres na sala: você não vai querer se meter com Os Homens. Um
Garoto mexeu com você? Ah! Eles são assim mesmo, não ligue. Ele passou a mão em
você na rua e você fez um escândalo? Ai, que exagero. Pare de ser histérica! Isso
que dá sair sozinha assim, com essa roupa curta. É claro que você não pode sair
desse jeito: seu namorado vai junto? Ele não te deixa sair desacompanhada? Isso
se chama amor! Falando em amor, que história é essa de gostar de mulher? Amor
de amiga, né? Se não for, está errado. Ah, por favor, não se torne Uma Puta.
Você pode até transar com seu namorado – afinal, você tem de cuidar daquilo que
é seu – mas não conte a ninguém! Porque, sabe, eu, a Sociedade, não vou te
tratar bem. Posso até fingir te aceitar, mas, repito, é melhor não contar para
as outras pessoas. Quando arranjar Um Homem, que seja trabalhador. Mas não Um Artista.
Fuja deles! Fuja dos Militantes! Fuja dos Bonzinhos! Fique com Os Cafajestes! Você,
Uma Garota, quem tem que prendê-lo. Não faça tatuagens! Você
é Uma Garota de Família, não Uma Qualquer!
Pois bem, Sociedade.
Aqui quem fala é Uma Dessas Garotas. Muito
prazer. Você me falou sobre casamento. Eu gostaria muito que você entendesse,
finalmente, que eu não sei se quero me casar. Não tiro o mérito daqueles que se
encontraram: é inigualável a sensação de ver um casal que verdadeiramente se
ama. Mas esse não é o meu foco. Meu objetivo é: ser feliz.
Com Um Garoto, sem Um Garoto; com Meus Filhos ou sem eles. Sinto muito,
sinceramente, se te incomoda o fato de que eu não estou à procura de Um Homem
Para Se Casar Comigo.
Muito prazer, Sociedade.
Você me disse que beber é algo “de homem”. Eu não me importo com a maquiagem,
com a roupa ou com o sapato. Meu maior anseio é encontrar a Diversão.
E isso,
meu bem, só eu posso saber o que ou quem é, seja Um Homem ou Uma Mulher. Você
me disse, colega, que eu devo me afastar das Pessoas Estranhas. Pois saiba que o
meu círculo social é composto por – apenas – elas.
Prazer, Sociedade: eu
não sou comportada, discreta ou educada. Você me pediu – não, me exigiu! –
exatamente o contrário.
Posso deixar minha opinião bem exposta, inversamente
proporcional ao seu desejo?
É inaceitável que alguém me toque sem a devida
permissão, seja na rua ou dentro da minha casa. O nome para essa situação é:
assédio. E isso tudo não me impede de gostar de sexo. O corpo é meu, assim como
as regras; da mesma forma como você tem as suas, Sociedade, eu sigo as minhas à
risca, com ou sem tatuagem, saindo sozinha ou acompanhada. Eu escolho. Eu
decido. Eu mando.
Você disse para me
afastar dos homens. Mas, ao mesmo tempo, contou-me que eu deveria servi-los.
Toda a minha vida deveria, segundo você, ser construída a partir dos desejos
daquele que tanto me retém. Você é absolutamente contraditória, Sociedade.
Entenda, também, que se
eu fizer com um curso majoritariamente composto por mulheres, foi porque eu
assim o desejei. Suas ideias, Sociedade, são tão retrógradas que me choca,
ainda no século XXI, ver que algumas pessoas as seguem apenas para não
desconstruir seus paradigmas e, supostamente, deixá-la feliz. Pessoas geniais
são jogadas em outras áreas porque você, por razões estúpidas, resolveu que
assim deveria ser. Você destrói personalidades, Sociedade.
Por fim, é com muito
orgulho e luta que digo: eu não sou como você quis me moldar.
Prazer, Sociedade.
Eu sou Uma Qualquer.